sexta-feira, 26 de março de 2010

E tem que ser assim?


e o coitado não 'diz' nem um 'au'...

quarta-feira, 17 de março de 2010

Um

Houve um tempo em que até os fogões tinham asas. Isso mesmo. Até eles. Tinham asas para acomodar mais panelas do que a lotação oficial permitia. Ficavam todas as panelas ali, uma ao lado das outras, esperando a vez de ir ou sair do fogo. Acho que uma ficava conversando com a outra, a caçarola trocando confidências com a frigideira, a chaleira se insinuando para o caldeirão, mas todas discutindo quem tinha recebido mais alho e cebola na hora do refogado e se isso era justo ou não.

Em alguma cozinha certamente chegou a haver uma rebelião de panelas: as grandes contra as pequenas, as altas contra as baixas, as novas contra as velhas. Sabe aquele dia em que as tampas caíram todas no chão? Foi briga. Mas isso porque elas conversavam, porque tinha um lugar para se reunir e confabular.

Se alguém souber qual é o coletivo de 'panelas', aceito contribuições. Sabendo ou não o nome, sei que isso existia. Até os fogões podiam se dar ao luxo de ter asas, de ocupar espaço na cozinha e de dar espaço para as panelas conversarem. Nos dias de hoje a censura é mais sutil, o que não quer dizer que seja menos eficiente.

Hoje meu fogão não tem asas. Nem lembra que seu avô tinha. As panelas também não discutem mais. Sabem que é melhor não criar problemas, senão vão para o lixo. Mas eu lembro de como era antes. E isso me faz lembrar que tenho asas também, embora às vezes até eu esqueça. Lembro que era muito bom discutir.

O problema é que ter asas, nos dias de hoje, é considerado algo velho, anacrônico, analógico, antigo e sempre me dizem que isso é chato. Texto e pensamento com mais de 140 caracteres atualmente são chatos. Se eu não reduzir, cortar, atrofiar, é chato. São os efeitos destes novos tempos de internet rápida, blackberries e cooktops (esse, coitado, não só esqueceu das asas que um dia teve, como também do forno. foi capado e ainda acha que é chique...). hoje em dia pensar, questionar, tudo isso é chato. Fazer pensar incomoda. Tomar posições diferentes das que já estão carimbadas incomoda. Mas as minhas asas insistem em bater, cada vez mais. Acho que é hora de voar. E quem achar chato, que fique em terra. Voar é muito mais legal.

Não pensar

Tentou me contar o jornal Zero Hora que...

"16 de março de 2010 N° 16276

BRASIL X EUA

Retaliação incluirá remédios e filmes

O governo brasileiro iniciou a segunda fase da retaliação aos EUA autorizada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Uma lista com 21 itens na área de propriedade intelectual ficará em consulta pública por 20 dias.

Desta vez, a medida afeta o registro de marcas e patentes e a cobrança de direitos sobre obras audiovisuais e musicais. Podem ser prejudicados o setor farmacêutico e as indústrias cinematográfica e fonográfica dos EUA."

 No meu tempo, jornalista tinha que pensar, nem que fosse um pouquinho. Ok. Haverá alguém para lembrar que a exigência do diploma caiu, assim como a qualidade dos cursos de Comunicação (com caixa alta) nos últimos tempos. Mesmo assim há muito o que falar, pensar e questionar sobre o que apresentei acima. Afirmar, como afirma o texto, que "podem ser prejudicados o setor farmacêutico e as indústrias cinematográfica e fonográfica dos EUA", é menos que uma 'análise simplista'. O termo 'análise' não pode ser utilizado. Prefiro acreditar que houve uma simples operação "control+c - control+v" na hora do fechamento, para tapar um buraco do jornal. Uma análise mínima do que realmente propõe o texto assusta.

No caso da indústria farmacêutica norte-americana, se ela deixar de vender para cá, obviamente terá prejuízo. Mas só a indústria farmacêutica dos Estados Unidos vai ficar mal? Como fica o brasileiro que precisa de um medicamento gringo? Vai achar na farmácia um produto substituto com o mesmo preço e com mesma eficácia? Se houver algum plano de abastecimento do mercado com genéricos, me calo.

Quanto ao suposto "impacto às indústrias cinematográfica e fonográfica dos EUA", fica evidente que ganhou corpo, de novo, uma família de palavras que tem como parentes próximos termos como "censura" e "cerceamento". Surpreende - e causa espasmos - que o texto do jornal não questione isso. O jornal "compra" a proposta, sem questionar. Publica o conceito, sem pensar. Assusta lembrar que pouquíssimo tempo atrás tinha voltado a brotar uma proposta de mudar a programação da tevê a cabo, tirando os 'enlatados' e similares da grade, eliminando esses "típicos produtos norte-americanos". Sob protestos, a idéia murchou. Agora volta a mesma proposta, mas disfarçada sob a bandeira de 'proteção comercial'.

Pois é. Para defender os interesses do País, ficaremos eu e você submetidos a uma distância ainda maior de poder conferir um filme norte-americano (afinal, cinema já é caro o suficiente, imagine ainda mais caro). Não vou discutir se o cinema de lá é bom ou não. Mas quero ter o direito de assistir e julgar - eu, não outra pessoa - se gosto ou não do filme que seja e de onde vier. Além disso, em era de internet desmedida, uma ação dessas é um 'suplemento alimentar' para a pirataria, que, sozinha, já desestimula qualquer produção regular e legalizada da cultura nacional. Para solucionar, espero que ninguém pense, então, em bloquear acessos na internet.

Em produção cinematográfica e musical, é impossível aceitar que exista algum plano de substituição de importações. Nesse campo, não há comparações, substituições, reparações. Cada filme, cada música, cada fotograma, todos são insubstituíveis. O pior e melhor filme norte-americano ou brasileiro, cada um é único. E eu quero poder ver todos esses filmes, quero ouvir todas as músicas, quero que o preço do ingresso do cinema seja mais baixo para que mais gente veja o que eu vejo e que, assim, eu possa trocar idéias com essas pessoas. Que ninguém com ímpetos tardios de ser um censor venha ditar regras sobre o que posso ver e ouvir. Que a proteção comercial seja feita, mas em outro canto, lá  na terra onde produtos são produtos e preços são preços. O que não dá para aceitar é virem vender essa castração cultural e eu ficar calado.